terça-feira, 22 de março de 2011

Jirau vivia sob ''tensão reprimida'', diz MP

Ministério Público avalia que tratamento dispensado a peões está na origem do quebra-quebra que destruiu os canteiros de obras

Leonencio Nossa

As análises dos primeiros relatos colhidos pelo Ministério Público do Trabalho de Rondônia apontam que o quebra-quebra da semana passada nos canteiros de obras da usina de Jirau, no Rio Madeira, foi resultado de uma "tensão longa e reprimida" nos alojamentos isolados na floresta amazônica. Em paralelo ao clima de tensão nos alojamentos, havia uma disputa velada entre sindicalistas de Rondônia e do Pará, Estado de origem de boa parte dos operários.

Diretores do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Rondônia (Sticcero) chegaram a sugerir, em conversas com a Justiça do Trabalho, que os primeiros tumultos registrados em Jirau foram incentivados de alguma maneira por representantes do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Pesada do Pará (Sintrapav), que monta um escritório em Rondônia. "O clima entre os sindicatos não está bom. Eles estão brigando na Justiça para saber quem tem representatividade", afirmou o procurador regional do Trabalho, Francisco Cruz.

O procurador admite, depois de ouvir operários e percorrer a área destruída do canteiro, que não havia trabalho degradante e que as empresas ofereceram alojamentos adequados para os funcionários. Mas informou que foram abertos procedimentos de investigação para apurar reclamações de tratamentos desrespeitosos por parte de encarregados e seguranças: "Havia um foco de tensão reprimida, e as empresas não sentiram isso."

Outros direitos. Ele disse que ainda está sendo avaliado um possível impacto da pressa das empresas em concluir as obras para o clima de tensão nos canteiros. Uma das pendências já detectadas é a falta de pagamento da "hora itínere", tempo gasto pelo trabalhador sem alojamento para chegar a um local de trabalho distante. Serão ainda analisadas questões como hora extra, jornada de trabalho, cesta básica e garantias de visitas a familiares.

O Ministério Público do Trabalho está analisando "fatores" apontados pelos trabalhadores como as causas dos incêndios e quebradeiras que destruíram mais de 40 ônibus, uma dezena de carros pequenos, refeitórios, caixas bancários e escritórios.

Na avaliação do procurador, as empresas não montaram um canal para os operários apresentarem reclamações sobre a atuação de seguranças, encarregados e motoristas. "A briga entre um operário e um motorista, na terça-feira passada, foi apenas a gota d"água de um problema", afirmou. Ficou nítida, afirmou Cruz, a falta de receptividade das construtoras ao trabalho de sindicalistas e a formação de lideranças de trabalhadores.

O paraense Juracy da Cruz Ribeiro, 30 anos, estava no alojamento quando começou o conflito. "Foi um grupo negociar com os encarregados, mas logo chegaram seguranças e policiais." À noite, relatou, "fomos avisados pelo pessoal de outros alojamentos que era para tirar tudo porque o fogo ia comer." Outro operário que estava em Jirau, o capixaba José Carlos Lima, 36 anos, disse que sindicatos não apareciam nos alojamentos. "O sindicalista que quisesse aparecer tinha de ficar do lado de fora, no asfalto, para conversar com a gente", relatou.

PARA ENTENDER

Mudança de postura

A figura do trabalhador que andava com um "mocozinho" (pequeno saco de pano) nas costas e bonés de campanha eleitoral pelas clareiras da floresta amazônica em busca de ocupação cede, aos poucos, espaço para operários de mochila e bonés coloridos. As manifestações e conflitos trabalhistas, agora, vão além das reclamações contra condições degradantes de trabalho. Os novos "peões" da Amazônia cobram direitos e benefícios obtidos desde o final da década de 80 pelos trabalhadores das grandes cidades.

O que pedem os operários

1 - Fim da truculência de seguranças e encarregados - xingamentos, empurrões, cárcere privado temporário e piadas

2 - Tratamento respeitoso aos trabalhadores que chegarem aos alojamentos alcoolizados. A dependência de álcool é vista como uma doença

3 - Respeito na relação entre o "sala fria" e o ''peão", sem assédio moral. Em Jirau, "sala fria" é o funcionário que trabalha em salas com ar-condicionado

4 - Pagamento por "hora itínere" - o tempo de viagem para canteiros de obras fora do perímetro urbano (só para quem não mora em alojamentos). Flexibilidade no transporte de áreas de trabalho isoladas para centros urbanos nas horas de folga

5 - Serviços eficientes nos refeitórios, para evitar que o tempo da fila do bandejão não consuma boa parte do período do almoço. Refeições adequadas e alojamentos higiênicos

6 - Garantia aos que trabalham em locais isolados e distantes de casa do pagamento e do cumprimento da "embaixada" - período em que o trabalhador visita a família

7 - Cumprimento das promessas feitas pelo agenciador de trabalho

8 - Pagamento de hora extra

9 - Pagamento de cesta básica que leve em conta os preços do comércio local

10 - Indicação de representantes da empresa para ouvir denúncias contra outros funcionários

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